16 de agosto de 2012

cólera

Desde que eu me conheço por gente sei que meu ego afirma, erroneamente, que eu defendo até a morte minhas ideias, foi assim quando, na pré-escola, me sugeriram colocar cinco torres em um castelo de areia quadrado. Foi a professora quem deu o pitaco, abaixei a cabeça e arquitetei a quinta torre, inútil, dez minutos depois ela foi ao chão, sobraram só as outras, matematicamente postas uma em cada quina.
A cólera, foi por causa dela, eu senti, foi subindo, coloquei propositalmente pouca água no quinto copo, desculpa, mas foi assim que eu aprendi a lidar com a minha, evita discussões desgastantes (apenas para o meu lado), me deixa deprimido (de certa forma eu gosto, a vida só vale a pena com sofrimento, assim dizia Nietzsche), reafirma o meu discurso vitimista (o qual eu já cansei, mas o mundo ainda não aceitou) e me faz ficar sem apetite (de comer e de lutar). Mas me sinto feliz sendo deprimido com a cólera, devo a ela todo o esforço que meu ego faz para salvar meias-verdades.

Em 16 de agosto de 1920 nascia Charles Bukowski. Dedico esse texto para você Velho Safado.

13 de agosto de 2012

correr/inveja


Correr atrás dos sonhos, frase bem desgastada em 2012, mas nem por isso eu deixo de ter ânsia de vômito cada vez que alguém pretensioso a repete na mídia. Você falar isso para seu amigo, tudo bem a gente entende, mas algumas figuras jogarem essa semente em um mundo onde não há tempo para dormir e muito menos solo mental fértil para plantar, aí já é dose.
Ontem me fisguei refletindo sobre isso, um jovem já corrompido pela realidade mundana tem o sonho de andar de Ferrari, casar com a Juliana Paes, ter um filho loiro que assuma a camisa 10 do time da escola, almoçar em um bom restaurante, descansar o corpo em um sofá de mola, enquanto coça a barba e assiste a programação primorosa do mais conceituado canal de TV a cabo, na nova Televisão, que chegou ontem embrulhada em 5kg de plástico bolha, os quais o filho ficou 50 vezes mais feliz por poder estourar do que quando ganhou o novo console da Sony, último modelo da linha. Algo me diz que essas aspirações não são sonhos.
Mas o fato é que eu escrevo isso apenas para explanar a minha inveja de vocês, vocês diferentes e normais, afinal não importa, tenho inveja de vocês que conseguem sonhar, se é assim que vocês acreditam ser.
Tenho inveja de vocês que conseguem: passar por vários desconhecidos e não sentir vontade de chorar; dizer eu te amo como quem pede uma cerveja; encenar que está tudo ótimo, quando na verdade não há um tijolo de pé na sua mente (isso me leva a crer que talvez você não tenha nenhuma construção nela); dizer oi e pedir como está a vida, sem o menor interesse na resposta; fazer aquela voz irritante e falar palavras sem o “s” e o “r” para as crianças; enfim, tenho inveja das coisas que meus pais, meus amigos, meus conhecidos, meus colegas e vários desconhecidos fazem. Sinto isso pelo simples fato de não saber o que acontece com os que foram designados a serem pais dos meninos de cabelo escuro que atuam como volantes de marcação.

9 de agosto de 2012

escolha

Não tem mais como suportar, ele se entrega, desiste da luta, a batalha cujo resultado é conhecido antes mesmo das armaduras serem postas. Mas para não dar o braço a torcer, ele afirma: escolheu escolher as escolhas já escolhidas.
Mark "Rent-boy" Renton: [narratingChoose Life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, choose washing machines, cars, compact disc players and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol, and dental insurance. Choose fixed interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisurewear and matching luggage. Choose a three-piece suite on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who the fuck you are on Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing, spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked up brats you spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life...
Tradução: [naração] Escolha uma vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira. Escolha uma família. Escolha uma merda de uma televisão grande, escolha máquinas de lavar, carros, CD players e abridores de lata elétricos. Escolha boa saúde, colesterol baixo, e plano dentário. Escolha prestações fixas para pagar. Escolha uma casa para morar. Escolha seus amigos. Escolha roupas de lazer e uma bagagem que combine. Escolha um terno feito do melhor tecido. Escolha se masturbar e pensar quem diabos você é em uma manhã de domingo. Escolha sentar no sofá assistindo programas que nada te acrescentam, game shows, estufar-se comendo um monte de porcarias. Escolha apodrecer no fim de tudo, numa casa miserável, envergonhando os pirralhos egoístas que você gerou para te substituírem. Escolha seu futuro. Escolha sua vida...

[Trecho extraído do filme Trainspotting]